domingo, 21 de outubro de 2012

This river is wild.

Torrencialmente. Cai, escorre pelos sulcos das telhas e transborda nas calhas. A tempestade repentina que inunda a cidade e carrega tudo. Carrega sujeira, carrega gente, carrega vida. Carrega as máscaras, os carros, o mundo. E lá vamos nós pela corrente. É natural da gente, perder o rumo, cair no rio e descer sem direção. Fazer parte do rio e esquecer quem é, mesmo que por um momento sendo parte de um todo, sem identidade única.
Problema é que estamos acostumados a lutar contra o natural. Vamos tentar subir o rio, galgar as pedras e chegar à margem. Vamos ser nós mesmos, pisar nessa terra com nossos próprios pés, enquanto nos afastamos da correnteza. Seguraremos essa terra que se desfaz em nossas mãos e caminharemos deixando nossas pegadas no chão. Mas a chuva, a tempestade repentina, ela escorrerá silenciosamente apagando as pegadas e fingindo que não existimos.
Fato é que essa terra que pisamos, essa mesma terra que desfazemos em nossas mãos será carregada para o rio e nele haverá um pouco de cada um de nós. Cada pequena pedra no leito que permanecerá imóvel contra a correnteza, cada pequeno grão de areia que se acomodará no chão. Enquanto nós vamos embora nos afastando da margem, a chuva continua a escorrer sobre nós. Torrencialmente.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Escolhas.

Rabisco nos lugares mais estranhos, com formas tortas, mortas, nos moldes mais tacanhos. Jogo de qualquer maneira essas frases de traços finos, quase apagados. Apago até o que não botei, pra estar certo de que pelo menos algo que eu não quero não está aqui. Algo que eu não quero dentro de um texto, muito menos dentro de mim. É que preciso espalhar as incertezas como palavras em uma frase. Preciso achar razão em uma abstração. Preciso solidificar algo intangível. Ou será que não preciso da razão?
Na realidade ainda preciso realizar mais uma coisa. Alguns dizem que é um abstração, outros que é concreta. Preciso realizar "felicidade". Realizar em suas várias potências. Concretizar uma palavra abstrata. Mas eu enquanto pessoa, vivo do que é concreto ou do que é abstrato? Eu como pessoa, vivo como? Eu vivo, como? Eu, como?
Não sei porque, nem como. Choro, durmo, sorrio, berro, bato, calo, olho, respiro, amo, ignoro, ando: vivo. Por que e como? E não vá achando que nego a vida, da qual não entendo o como e o porquê, eu a abraço. E de repente, eu sou o porquê e o como. Só não sei se tenho razão ou se sou feliz, tenho de escolher. Me torno "concreto" como a razão ou "abstrato" como a felicidade?
É melhor ter razão ou ser feliz?

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Entortando.


O tempo,
o tempo deixa a gente meio azedo, meu amor.
Mas não um azedo qualquer.

Sente-se falta
Do olfato perfumado,
do paladar doce,
da imagem delicada.
É que o tempo degenera.

E o tempo tira,
rouba e tomba.
Constrói, sedimenta
e crucifica.
Mas não que eu seja tão velho,
é que o tempo
pesa tanto mais na alma,
do que no corpo.

E a gente
nem saudade sente mais.
Não olha pro futuro,
porque o tempo
passa na maneira
que bem lhe convém.

E como tudo
o tempo entorta
quando esbarra em algo
que não controla completamente.

Chega uma pessoa,
constrói uma memória.
Constrói um sentimento,
finca raiz na gente.

Vem o paladar doce,
o olfato perfumado,
a visão privilegiada.
A alma revujevenesce.

E ai do tempo!
Que volta a ser poeira,
quando conhece o amor. --

Te amo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Amor por si só.

Hoje a professora me disse que meu amor é abstrato. Sim, disse que minha felicidade é abstrata, que minha paixão é abstrata, que nada disso tem fundo. A gramática decretou que Deus é concreto e o amor é abstrato. Mas dizem que Deus antes de mais nada é amor, dito por algumas religiões e algumas pessoas. Então, Deus é abstrato ou concreto? Amor é o quê? Hoje a gramática decretou um paradoxo!
Concreto porque existe por si só. Abstrato porque depende de algo para existir. E o Deus que é amor precisa de algo para existir? Porque Deus é tudo, logo não necessita de nada. Criou-se uma dependência para a existência do amor, mas que amor é esse que não tem forças para existir por si só? Que tipo de amor banalizado e fraco é esse que não se sustenta? Pois digo que o amor é tão concreto quanto Deus. O Deus que necessita de fé para ser considerado onipotente. Não se engane, não estou dizendo que não existe um, estou mostrando apenas como nosso julgamento da existência e sentido das coisas é equivocado.
Amor é tão concreto quanto o chão que você pisa. Amor existe por si só. Amor é forte e dá frutos, está em todos os lugares e está em tudo.

Como diriam os budistas, amor é tão certo quanto um mais um é igual... a um.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma visão do hoje.

Eu vejo o começar de uma nova era
Vejo nascer um novo sol
que logo vai se pôr.
Sinto pulsar um coração
que não está em minhas mãos.
Eu vejo o futuro
que logo será passado.
Vivo um presente
em cada passo, em cada sístole,
em cada diástole, em cada olhar,
em cada pensar.
Somos os cidadãos do agora,
os pioneiros do antes
e os resquícios do depois.

Somos os cidadãos do agora,
enxergamos tudo à frente
mas vivemos atrás.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Miguel e o mar.

Diga pra mim, por que encara o mar, Miguel? Com esses seus olhos vazios e esse rosto inanimado. Por que encara o mar, Miguel? Por um acaso você me diria o que é o mar, Miguel?
- O mar é o finito que parece infinito. O mar é a distância entre mim e o meu sonho. Pois é bem assim que funciona. Entre aquilo que eu vejo e quero parece existir um mar, um espaço que parece não ter fim. Às vezes a vida parece tão pesada, tão imensa, tão longa, e o que passa na cabeça é: a vida parece não ter fim. E aí a vida é como o mar, algo finito que parece infinito. E os braços se estendendo, as pernas se esticando o máximo que podem, os olhos se forçando a enxergar, os pulmões agarrando todo o ar, o coração batendo o mais rápido que pode sem te matar e você tentando desesperadamente nadar até o fim do mar. Mas tem vezes que esse "mar" é muito frio e você parece ser dragado pro fundo dele, se afogando para depois ser jogado de volta à superfície. Existem vezes que essas "águas" são muito escuras e você tem medo de seguir a maré, daí você se joga contra a maré e a maré te joga de volta pro início. Mesmo assim você se joga no "mar", pro "mar" te preencher. E aí você nada por sabe-se lá quanto tempo, um tempo que você não consegue contar através de uma distância que você não consegue mensurar. No fim, talvez, você chegue em uma outra praia só para deitar e não acordar mais ou então o "mar" te cansa e você afunda para descansar esquecido no fundo do oceano. O mar é isso.