quarta-feira, 2 de março de 2011

Miguel.

Eram cinco horas da manhã. O sol fraquejava, não havia nascido ainda em brilho e esplendor. A rua calada, gelada, morta, a rua está vazia. Ele se levanta vagarosamente, as mãos tapando o rosto, numa atitude relutante de quem tenta evitar seus deveres. Ele se chama Miguel. Miguel arcanjo, Miguel homem, Miguel estudante, Miguel filho, vários dele em um só. Miguel é branco, não muito, tem um cabelo loiro e curto o qual ele deixa teimosamente bagunçado, porém um bagunçado que parece se adequar corretamente à sua fisionomia. É sadio, não é forte nem magro, dono de olhos profundos, olhos que não se destacam pela coloração verde, mas sim pela intensidade. Miguel que finalmente se levanta, caminha até a varanda, e deixa o ar gelado penetrar-lhe o corpo, mas Miguel não sente frio, sente-se morto.
-Você está morto, Miguel. - E ele se cala olhando o sol laranja lutando para nascer.
Ele veio para a cidade há pouco tempo, Rio de Janeiro. Cidade maravilha, de fato, um lugar deslumbrante em suas várias faces. Deixou para trás amigos, amores antigos, a família, deixou para trás seu berço. Veio se alimentar da esperança de seus sonhos. Não levou muito tempo para se adaptar, pois era versátil, conheceu pessoas novas, criou novos vínculos. Amigos diferentes, namoradas diferentes, uma vida diferente na palma de sua mão. Porém nem tudo que é novo é gratificante, as dificuldades mudam, os monstros da alma tomam novas formas, estranhas, assustadoras. Foi aí que Miguel cedeu. Longe dos verdadeiros amigos, longe da família, não haviam mais alicerces, ele então se fechou. Miguel se matou. Não que tenha se privado de sua própria vida, mas ele se privou da essência dela. Privou-se das felicidades, decaiu sobre as agonias. Privou-se dos amores, decaiu sobre a solidão. Privou-se da existência, decaiu sobre o esquecimento.