sexta-feira, 23 de maio de 2025

Ainda dói, mas agora tudo vai bem

Esfregar o sal nas feridas
de nada serve.
Elas já ardiam muito antes,
o tecido frágil, rasgado,
já sofria a cada respiro.

Nada há de puro,
nem de purificação,
no sofrer.
Não é a dor que expia nossos pecados,
que consola os nossos erros.

É a dor que ensina?
É ela que ensina a não doer?

A gente a trata como profetisa,
sacerdote de uma religião de merecimento.
Transforma a dor em falso ídolo.

O que ensina a dor senão a senti-la?

Acho que a dor ajuda.
Ajuda a desapegar de vez para que não doa mais
ou a lutar com unhas e dentes
para que seja superada.

A dor guarda em si mesma
a sua gênese e o seu fim.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Pandora

Eu espero que você me perdoe
se eu ainda guardar algo.

Minha memória não se apaga
e sobrescreve o esquecimento,
não permite que ele venha habitar
ao lado de coisas tão preciosas.

Eu espero que você me perdoe,
se por acaso abrir este baú.

Pois dentro dele há fotos em movimento,
palavras escritas sendo recitadas,
tecidos cujo tato remete a toques conhecidos e desconhecidos pela distância e tempo,
sons das vozes de choro, alegria e prazer que ecoam ao vento.

Eu espero que você me perdoe,
se me ver ao lado deste baú,
ainda zelando por ele.





terça-feira, 6 de maio de 2025

Aqui mora um homem e seu fantasma

Me disseram pra ir
Nesta casa não há nada
Me disseram pra ir
mas quando vi
já era o último aqui,
o último fantasma

Desta vez escolhi ficar,
não condenar mais uma alma a solidão.
Eu e meu fantasma,
não há passado para assombrar
quando estamos juntos.

Eu e meu fantasma resolvemos ficar
na nossa casa,
no nosso corpo,
onde não assombramos ninguém.

Meu fantasma me leva à noite pela janela,
não diz nada,
quer me mostrar o mundo lá fora.
Os perdidos e esquecidos dormindo no chão
As luzes frias iluminando os cantos,
o chiaroescuro na cidade.

Eu e meu fantasma,
na solidão da nossa própria companhia.