terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Debaixo do sol

Tenho medo de sair de casa,
medo de andar por aí
e te encontrar em alguma rua

Tenho medo de que ao te ver,
como se fosse pela primeira vez,
eu incendeie, queime por completo

Medo que você brilhe tão forte,
tão intensamente ainda dentro de mim
que tudo o que restará do meu coração
será uma pequena pedra de carvão

Que coisa terrível,
viver com medo de um amor,
medo de amar ainda e além

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Uma carta para você

 Sinto que deveria te escrever esta pequena carta, mas não enviá-la. Quero a princípio apenas que ela exista e que o que foi dito aqui exista também. Não sei se você será capaz de lê-la algum dia, se vai esbarrar com ela em algum momento de curiosidade ou de lembrança, por enquanto basta que ela exista e que se um dia você chegar a vê-la, saiba que é tudo verdade.

Não vou te enviar esta carta porque sinto que a distância entre nós é hoje um lago com um equilíbrio delicado, águas calmas que não devem ser perturbadas. Vou guardá-la então, no fundo destas águas. Esta carta é um pedido de desculpas, por coisas que já foram ditas. É importante pra mim. Mesmo que sejam desculpas jamais encontradas ou aceitas, elas são o reconhecimento de um erro.

Um dia desses eu disse aqui que você havia "me dado pouco e me tomado muito". Isso não é verdade. Nunca foi. Esse cálculo não existe além da neurose, depois que ela se esvai e vem a calma e aceitação das coisas que foram e que são, a verdade para mim é esta: você me deu o que você quis e pôde me dar, assim como eu dei o que quis e podia te dar. Longe de sermos insuficientes ou exagerados, fomos apenas o que podíamos ser. Assim como agora tenho certeza que estamos tentando com todas as forças nos transformar naquilo que ainda não somos e não sabemos o que será.

Esta carta existe e sempre existirá, mas nós que fomos, daqui em diante não mais seremos os mesmos. Com muita esperança te digo que seremos outros, não melhores, nem piores, apenas o que precisarmos e quisermos ser.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Hoje o mundo todo é só ruído e nenhuma substância. Vazio, eco, solidão infinita. Queria conseguir me preencher e esquecer dos sentimentos ruins com a mesma facilidade dos outros. Tem algo de errado comigo. Hoje quero desistir.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Boa noite, Clarice

Sinto que preciso dizer algo, mas não sei o que. Parece que o futuro tenta se impor, se adiantar antes mesmo de ser construído. Um futuro assim não é nada além de ansiedade.
Clarice disse uma vez que se sentia presa dentro de si, tornou-se "intolerável para ela mesma", dizia que lhe faltava uma beleza que sempre perseguiu: a liberdade. Gostaria de dizer para Clarice que somos todos intoleráveis para nós mesmos. Somos tão intoleráveis assim porque nos falta algo por essência, sempre faltará. Por isso buscamos tanto o outro, e é bom que seja assim. Melhor que sejamos incompletos juntos de outros "alguéns". E na medida em que ser incompleto seja também uma busca, que se faça presente a beleza que tanto lhe faltou. Buscando somos livres e encontrando pequenos pedaços de outros, costurando retalhos com outras mãos, seremos também felizes.
Não importando que nem sempre tenhamos a felicidade, porém sabendo que sempre a reencontraremos, mas tentando sempre ser e deixar-nos livres de nós mesmos. Para que se possa reencontrar a si, sem se dilacerar e sem se perseguir. 
Clarice, acho que nunca vou me aceitar por completo, também não acredito que existe alguém capaz desse feito, mas sou feliz com as partes de mim aceitas pelos outros e pelas partes dos outros que aceito também. E sendo aceitado e aceitando o outro, vejo que talvez eu não seja tão intolerável assim.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Um dia eu vou reabrir aquele lugar. Vou recolocar todas as nossas fotos no devido lugar. Mas eu não vou estar lá, não irei reproduzir ecos e fragmentos da minha vida e dos outros. Eu vou depositar minhas memórias, meus sentimentos. Tornar eterno (enquanto durar) o meu carinho, meu amor, minhas amizades e histórias. Aquele lugar será um museu de algo que viveu e pulsou e que vive e que pulsa agora. E se um dia aquele lugar não existir mais, eu reproduzirei todas as imagens a mão se assim for necessário, para prestar homenagem a tudo e todos que ajudaram a me construir. E se um dia aquele lugar não existir mais, eu recitarei todas palavras que foram dedicadas, vou rabiscar as paredes repetidas vezes até que o último lápis do mundo se parta e a última caneta do mundo seque.